[:pb]No início do ano, o presidente de uma grande empresa chamou seus diretores para verificar quais resultados haviam obtido para contribuir com os objetivos da companhia no cenário de crise. O diretor comercial foi o primeiro a se pronunciar, todo orgulhoso por ter alcançado um aumento de 30% nas vendas frente a um aumento de custos de apenas 8%. E mais, houve uma substituição de produtos de baixa margem de rentabilidade para os de elevada margem em metade das novas vendas.
A diretora financeira e administrativa apresentou números positivos com ganhos financeiros não operacionais, desmobilização de capital pela venda de equipamentos que passaram a ser locados com manutenção inclusa e rígido controle de gastos administrativos por meio da implantação de um sistema de autorização online.
A diretora de RH trouxe o aumento da produtividade das principais equipes devido a revisões nos processos de seleção e treinamento. Mostrou, mesmo que a desgosto dos demais, o aumento das metas para bônus da direção e alta gerência, garantindo que nenhum deles receberá um centavo a mais enquanto a companhia não alcançar o devido EBITDA.
Chegada a vez do diretor de comunicação, ele fez uma longa apresentação explicando a intangibilidade dos resultados de sua área. Comparou com um excelente vinho, que um apreciador experimentado sabe o quanto vale, mesmo sem ter ideia de quanto tenho sido gasto para produzi-lo.
O presidente satisfeito, agradeceu a todos e comentou que, em tempos de crise não podiam se dar ao luxo de vinhos caros. Cortou a verba e a equipe de comunicação, incluindo o próprio diretor.
Esta fábula da vida moderna ilustra a aflitiva realidade dos muitos profissionais das áreas de comunicação, seja ocupando posições em agências ou como clientes, que não fizeram a migração para o modelo de resultados e agilidade para se ajustar a novos ambientes e realidades.
Ainda é comum encontrar aqueles que utilizam a afirmação de que a atividade de comunicação gera resultados intangíveis e, consequentemente, imensuráveis, para se esconderem. Algumas empresas até aceitam esse discurso, mas entram no mesmo jogo e acabam por esconder a área de comunicação, reservando a ela um papel puramente operacional e no topo da lista do corte de verba. Há outros tantos que afirmam medir resultados, mas utilizam indicadores absolutamente desvinculados do planejamento estratégico da organização.
Há muitos profissionais que defendem as mídias sociais, as novas tecnologias e os influenciadores digitais como estratégia de comunicação. Mídia, como o nome diz, é meio; tecnologia é e sempre foi simplesmente tecnologia; e influenciador é público meio (e não público fim). Nenhum desses substantivos pode ser considerado estratégia de comunicação ou a disrupção da área, mas pode estar inserido em um contexto de negócios, alinhado com os objetivos da organização, dentro de uma estratégia macro de comunicação, com indicadores e metas.
Situações assim levam toda a área de comunicação para o quartinho dos fundos das empresas. Não convive com a alta direção, não tem acesso a informações confidenciais em primeira mão e é lembrada somente para divulgações ou quando alguém precisa de “um texto engajador”.
Se na fábula acima o diretor de comunicação tivesse elencado ações de relacionamento com influenciadores digitais alinhadas com o objetivo de aumento de vendas qualificadas, tendo como indicador de sucesso a medição de clientes gerados por esse meio, tudo seria diferente. O diretor financeiro entenderia a razão de liberar verba, o diretor comercial mobilizaria sua equipe em benefício do projeto, o diretor de RH repensaria a estrutura da área e o presidente consideraria envolver a comunicação em situações mais relevantes e críticas.
Avançando na questão, o termo “resiliência” e a capacidade de predição e análise são habilidades desejadas em todos os funcionários, ou pelo menos nos gestores. Estar sempre aberto a ajustar o planejamento, cercar-se de informações e pessoas que ajudem a prever riscos e oportunidades e analisar tudo o que está à mão dá um toque estratégico e de resultados à comunicação.
Nesse quesito, a tecnologia pode ser uma aliada ou uma adversária, pois é capaz de nos distanciar da realidade das pessoas. Andar pela fábrica, observar o comportamento dos consumidores dentro das lojas e ter contatos pessoais devem complementar pesquisas online e planilhas. É algo muito similar à humanização dos serviços, ou servicização, um modelo bastante em curso nas empresas. É contraditório imaginar uma comunicação não humanizada ou afastada das pessoas, mas essa situação tem sido muito presente. O anúncio em voz alta no salão pode ser mais efetivo do que um e-mail, um encontro pessoal mais impactante do que um vídeo, uma experiência presencial mais tocante e engajadora do que um jogo virtual.
Quando nos afastamos do estratégico e não revisamos as ações periodicamente com olhos na evolução dos resultados dessas ações, corremos o risco de cair na armadilha de mecanizar nossa prática. E quanto mais mecânica for uma atividade, mais ela tende a ser substituída por robôs ou desvalorizada nas organizações.
Comunicar é algo que se aprende desde o primeiro choro – que, em si, já é comunicação. Os grandes diferenciais dos comunicadores atuais são a capacidade de se manter simples utilizando novas tecnologias, ser percebido como estratégico mesmo com impactos intangíveis, e mirar resultados de negócios para a organização sem perder o senso de humanidade.
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