[:pb]Na primeira entrevista que a LVBA Comunicação e a Corall Consultoria realizam com líderes de comunicação, Sergio Giacomo, head de comunicação e relações institucionais para América Latina da centenária GE, recebeu Gisele Lorenzetti e Fábio Betti na sede regional da empresa em São Paulo.
Em uma conversa de meia hora, entre vôos e reuniões, Sergio falou sobre a bússola que sempre guiou sua carreira, a tarefa da área de comunicação em buscar o fio condutor das histórias a serem contadas sobre os negócios da companhia e o papel de maestro que o líder dessa área deve ter em um mundo onde todos são comunicadores.
FB – Você teve uma carreira com passagens marcantes por Burson Marsteller, Edelman, Shell, Vale e, mais recentemente, a GE. Se você fizesse uma reflexão sobre o que fez a diferença nesses 30 anos para você estar onde está, para ter uma carreira com passagens interessantes em empresas bacanas, o que foi mais importante?
SG – Eu sempre me vejo com uma bússola à moda antiga na mão, porque o GPS moderno é muito preciso. Com GPS você vai quase no milímetro e eu não gosto disso. Sempre imaginei que na vida eu tenho que ter uma bússola que me indica o norte, mas não o caminho. Caminhando dessa forma, eu posso aproveitar as oportunidades que vão surgindo.
Porque se ficar muito focado – tenho que fazer isso, tenho que entrar na segunda à esquerda e depois à direita, etc. – você acaba não percebendo as coisas que estão à sua volta. Então, desde antes de eu começar a cursar comunicação, eu sabia que queria uma carreira onde eu pudesse trabalhar no meio internacional, que eu pudesse trabalhar em países diferentes, usando as línguas que eu já sabia falar e de uma forma que eu me sentisse bem, para me desenvolver.
A escolha da comunicação veio dessa reflexão, mas eu também pensei em fazer sociologia ou uma carreira mais técnica, como piloto de avião. De qualquer forma, o meu norte era a “carreira internacional” e aos poucos foram surgindo oportunidades, e calhou de ser comunicação.
Eu me formei em 87, comecei a trabalhar na Burson como estagiário em 86. Eu estava trabalhando para uns clientes muito legais, internacionais. Acabei me desenvolvendo muito rápido, passei de assistente de conta para executivo de conta e logo em seguida para gerente de conta. E aquela coisa, “nossa, já estou podendo, então vou comprar um apartamento, comprar um carro, fazer isso e aquilo”. Aí, meu grilo falante disse: “qual é o teu norte? Se deixar se levar só por isso, vai mudar teu rumo.” Então, falei: “quero ir embora, quero voltar pra França, então vou me demitir e lá eu tento de novo.” E foi o que fiz. Segio minha bússola.
De vez em quando você tem que arriscar também. Se ficar só na sua zona de conforto, não consegue realizar seus sonhos.
FB – Estando na GE, onde historicamente as áreas de negócio são muito independentes, qual o papel de um head de comunicação em uma estrutura tão independente? O que de fato você consegue contribuir e o que não consegue?
SG – Minha maneira de ver é de pegar o fio condutor comum a todos os negócios. Não é o denominador comum, porque aí fica no ‘minimozinho’, muito pequeno e que não é o essencial. Mas, por exemplo, a GE se posiciona como empresa líder digital industrial na área de tecnologia. Como eu faço para associar isso ao fato de termos uma história de mais de 130 anos, de a empresa ter sido fundada pelo inventor da lâmpada?
Quando a gente começou a falar sobre isso, entre nós mesmos, fazendo brainstorming, a primeira reação era: “a lâmpada é uma coisa antiga. Isso já acabou, já foi, temos que passar para outra coisa.”
Se você pensa na lâmpada enquanto objeto, sim, já acabou. Já passamos para o LED. Mas se contextualizar o que a lâmpada significava no século XIX, era altíssima tecnologia. Era a democratização de um conforto, de poder ter mais segurança dentro de casa e nas ruas. Ler à noite, por exemplo, teve impacto na educação. Então, não vamos pensar no objeto lâmpada incandescente, vamos pensar no que isso representava: tecnologia que mudava a vida das pessoas.
Esse é o fio condutor que marcou o início da GE e que continua ainda hoje.
Se conseguimos fazer o trabalho bem feito, os negócios conseguem entrar nesse mesmo bonde. O meu papel e o papel da minha equipe é esse: não é impor o que vamos falar, como “digital industrial e X”, que só vai funcionar para a área de saúde e de transporte, mas não vai dar certo, por exemplo, para o negócio de aviação. A maneira que eu vejo nosso trabalho é tentar encontrar esse fio condutor onde cada um consiga se acoplar.
Foi o que fizemos também nos Jogos Olímpicos. Ao invés de focar no que estamos oferecendo, no que vendemos: “aqui foram lâmpadas LED para tal tipo de utilização e ali foram equipamentos médicos para tal tipo”, encontramos o fio condutor que era “tecnologia e infraestrutura para fazer com que os jogos fossem bem sucedidos e deixassem um legado positivo para a cidade-sede.”
Depois, cada negócio entra e acaba reforçando os pontos dessa história que é um pouco mais macro. É mais coordenação de busca de elementos comuns para que, em seguida, todo mundo possa desenvolver ações e comunicar seus pontos mais específicos.
FB – Entre tantos desafios, o RH tem o de implantar uma nova estrutura, que eles chamam de partnership model, o desafio de ajudar que o novo PD (Performance Development) de alguma forma aconteça na organização toda. São desafios bem complexos. Quando você olha para o seu trabalho, o que você acha que hoje é seu maior desafio?
SG – Hoje eu vejo a necessidade de estarmos um passo à frente dentro da área de Comunicação, tanto interna quanto externa. Eu quero que a Comunicação não seja só um canal para falar de tecnologia e inovação. Eu quero que ela seja tecnológica e inovadora. Esse é um desafio porque, obviamente, temos limites. Temos que ser criativos e bastante focados em fazer coisas com pertinência. Como associar isso e não só falar sobre inovação, mas demonstrar inovação através das ações de comunicação? Esse é o desafio.
FB – Tem alguma coisa que você sente que já está indo por esse caminho?
SG – Os Jogos Olímpicos e Paralímpicos foram uma vitrine muito boa. Trouxemos de volta, e às vezes é preciso ir para o passado para dar um salto para o futuro, a dupla de cientistas do Castelo Ratimbum, Tíbio e Perônio. Foi uma ideia inovadora na maneira de falar sobre tecnologia e inovação. Até mesmo a coletiva de imprensa para o lançamento dessa ação foi inovadora.
Fizemos a coletiva no estúdio do Roda Viva, na TV Cultura. Foi o Tíbio e o Perônio no centro do Roda Viva, a equipe GE apoiando, comigo, com minha equipe e a equipe de cientistas ao redor deles, e jornalistas e blogueiros fazendo perguntas. Também é assim, uma maneira de ligar os pontos para contar uma história interessante, inovadora.
O objetivo não é fazer uma coletiva, mas passar uma mensagem. Qual é essa mensagem? É essa a pergunta que importa. Assim você consegue chegar a alguma coisa consistente e que faça sentido. Porque, se não, acaba fazendo simplesmente sempre mais do mesmo.
FB – Você sente que no meio desse processo tem uma “appetização” também da comunicação? Você sente que os fluxos comunicacionais das organizações já estão indo para os smartphones? Tem alguma ferramenta que vocês usam fora o Whatsapp?
SG – Certas postagens no Facebook acabam pautando os jornalistas. Estamos tentando ver como podemos fazer disso uma oportunidade. Como eu consigo pautar coisas? Alguns jornalistas veem a quantidade de likes em um post e querem entender o porquê disso. Aí começa um diálogo através de um simples fato que parece interessante para as pessoas. Isso também é novidade, e a gente está aprendendo a lidar com ela.
FB – Recentemente eu estava com um amigo que é diretor de RH de uma indústria farmacêutica que tem a área de comunicação abaixo dele e ele falou de um vendedor que estava em uma convenção e tirou um selfie para mostrar para os amigos o lugar bacana onde ele estava. Só que tinha um slide projetado atrás dele com informações que não eram compartilháveis… Esse é um tema hoje, né? Como vocês lidam com isso? Tem uma política ou norma?
SG – Existem regras, mas elas podem se resumir a bom senso, tanto no mundo virtual quanto real. Tenho um exemplo de quando eu trabalhava na Edelman na Europa e passava a semana em Bruxelas e voltava para Paris no final de semana. Na segunda-feira de manhã e na sexta-feira à noite, nos vagões de primeira classe, alguns jornalistas mandavam estagiários fazerem a viagem de ida e volta, porque era onde os parlamentares europeus estavam. Então eles ficavam se pautando pelos temas que eles ouviam das conversas informais durante a viagem…
Era um ambiente aberto e havia ali pessoas conversando, então não era espionagem. O cara simplesmente estava no lugar certo e na hora certa. Era fácil.
Então, óbvio, a gente falava para os nossos clientes não pegarem esse trem se tivessem que conversar durante a viagem, ou sempre ter atenção com o que falavam em ambiente abertos. Temos que levar em consideração essas situações e esses cuidados. Isso vale também para o mundo virtual.
FB – Para que serve um RP hoje em um mundo onde todo mundo é comunicador?
SG – Então… (rsrsr). Eu me lembro de uma disciplina que a gente tinha na ECA, Princípios de Administração. Nessa disciplina, o professor falava muitas vezes nós tínhamos que estudar na FEA e não na ECA. Na verdade, o debate não era esse, sobre onde o curso deveria ser dado. Mas sim, que o papel do RP não é ser especialista em algum tipo de canal, mas ser o gestor da comunicação.
Para mim, hoje mais do que nunca, o papel do RP continua sendo o de gestor da comunicação,. Quando você pensa em RP, como acontecia há um tempo, como sinônimo de gerenciamento de eventos, ou de relações com a imprensa, fica muito restrito. Acho que um jornalista funciona muito melhor como assessor de imprensa porque ele conhece a maneira de pensar de quem está do outro lado.
Acho que ser RP é ter o conhecimento das ferramentas que estão à nossa disposição para atingir um objetivo dentro da empresa ou para um cliente. O papel de gestor da comunicação em um mundo onde todo mundo é um pouco comunicador é ainda mais importante.
FB – Uma reflexão que a gente tem feito também: as áreas de comunicação que, por mais que sempre tenham sido gestoras de comunicação, também eram as únicas que tinham condições de produzir e disseminar conteúdos. Porque era caro fazer uma revista, um vídeo jornal ou o que quer que seja.
Você não acha que tem um deslocamento aí do papel da área de comunicação que era produtora, concentradora, hub, para um papel talvez mais de netweaver, de alguém que faz articulação e curadoria?
SG – Sim, é como vejo meu papel na GE: não vou inventar, não vou dizer “vamos nos posicionar como X” se a realidade é Y. Isso é “spin”. Não é assim que eu vejo a comunicação bem feita. Eu tenho que encontrar uma maneira de contar esse Y real de forma inteligente, de forma inovadora, usando canais que façam sentido, internos e externos. Mas para isso eu não poderia ter uma equipe só de RPs, porque acabaria recriando sempre a mesma coisa, no mesmo molde. Então, trazer diferentes perfis mais técnicos e especializados ajuda muito. Nosso papel é ser mais ou menos como um maestro em uma orquestra. O maestro pode ser um bom instrumentista e saber tocar violino? Pode, mas naquele papel de líder da orquestra, ele tem que fazer com que o conjunto da obra seja bem executado por todos os especialistas. Só assim o concerto será um sucesso em seu conjunto.
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