Uma reflexão sobre inclusão de pessoas pretas no mercado de trabalho e representatividade em ações de comunicação
2020 está sendo um ano de grandes desafios. Alguns novos, como a pandemia da Covid-19; outros já velhos conhecidos nossos, como o racismo estrutural. E este foi o tema central do mês de novembro, quando é celebrado o Dia da Consciência Negra (20). A data tem como objetivo discutir a importância de pessoas pretas na sociedade brasileira e se tornou feriado oficial em decreto de 2011 (antes tarde do que nunca).
Contudo, além de tudo que 2020 está nos fazendo passar, um dia antes do “20 de novembro”, presenciamos o episódio brutal de assassinato do soldador João Alberto Silveira Freitas por dois seguranças brancos do Carrefour, em Porto Alegre (RS). E não. Não foi um caso isolado. O grupo carrega um histórico de descaso com a vida. Por conta de mais este caso, perdeu mais de R$ 2 bilhões em valor de mercado e foi alvo de revoltas populares. Mas ainda fica a sensação de impunidade. Afinal, nada disso se equipara ao valor de uma vida. Inevitavelmente, o episódio acalorou os debates sobre vidas pretas e seu lugar na sociedade.
No âmbito positivo, novembro foi um mês, como de costume, de grandes eventos, principalmente no ambiente corporativo, ainda que virtual, sobre a importância da igualdade racial e da inclusão de pessoas pretas no mercado de trabalho. Afinal, diversidade e inclusão são pautas do momento e, de acordo com a pesquisa da McKinsey, fazem com que as equipes gerem 21% mais resultados que empresas sem pluralidade de pessoas. Sim, muitas vezes, a mudança na mentalidade se dá visando o lucro, mas já é um passo. Ainda assim, estamos longe de viver na pele a diversidade e inclusão de verdade, isso é quase que utópica. Mesmo com todas as ações que promovem diversidade, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 64% das pessoas desempregadas são pretas; brancos recebem 45% a mais; e pretos ocupam menos de 30% dos cargos de liderança.
Gosto sempre de, neste momento, lembrar do antigo comercial de Margarina, com a família “perfeita”, branca, heterossexual, tomando café da manhã. Este já foi o padrão de representatividade lucrativo. Hoje, em comunicação, por exemplo, é o que chamamos de “o que não fazer” quando é desejado representar a população brasileira. E isso é um avanço!
Mas e agora que acabou novembro, qual o próximo passo?
Ainda falando do último mês, tive a honra de participar de um evento muito interessante chamado Afro Comunica, que foi uma parceria da Universidade São Judas com a Associação Brasileira das Agências de Comunicação (Abracom), por meio do Coletivo Enegrecer, da própria universidade. O objetivo foi debater sobre os desafios do mercado das agências de comunicação para pessoas pretas. O desafio de entrar e, principalmente, o de ser ouvido, respeitado e de poder levar diversidade às ações de comunicação, que podem impactar milhares ou milhões de pessoas.
Foi interessante ser ouvido, claro. Mas mais ainda, foi enriquecedor conhecer outras histórias e ver como todas têm um ponto em comum: a dificuldade de, em pleno 2020, ter boas oportunidades, reconhecimento profissional e sensação de pertencimento. Uma visão otimista que deixo aqui é a de que, para ações de comunicação/marketing, não levar representatividade em consideração é o famigerado “tiro no pé”. E só uma equipe plural, com diversidade, de fato, pode gerar ações mais representativas. As vivências únicas de cada pessoa podem contribuir para grandes impactos positivos e posicionar marcas dentro do padrão realmente representativo da população.
Se quiser conferir o debate Afro Comunica na íntegra, ele está disponível aqui.
De tudo isso, algo fica muito claro: o racismo estrutural existe, neguem as autoridades brancas ou não. E combater algo tão enraizado e prejudicial vai além do ambiente corporativo. Mas é uma excelente forma de começar. Agora que o mês da Consciência Negra passou, o que as empresas podem fazer? Bom, tudo! Gerem oportunidades para pessoas pretas. Ouças pessoas pretas. Permitam que cargos de liderança sejam ocupados por pessoas pretas. Se o Programa Trainee da Magazine Luiza para pessoas pretas, por exemplo, foi reconhecida como reparação histórica e gerou ainda mais valor à marca, por que não “magaluzear” mais as empresas? Todos saem ganhando.